Recomeçando... Feliz Mulher 2022!

 Para homenagear as mulheres no seu dia,

 alguns POEMAS escritos

 para elas e por elas:

 

É TÃO GENTIL E TÃO HONESTO O AR

 

É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.

Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.

Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.

E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”

Dante Alighieri  (Tradução de Ivo Barroso)

 

 

 

AS MULHERES

Dei a maçã aos lábios nus de Adão.
Na força de Sansão fui seu desarme.
Salomão dava o céu para alcançar-me.
Não cobrei por Jesus beijar-me as mãos.
Conquistei Grécia e Tróia, heróis da Raça.
Lesbos de amor, cantei a eterna senda.
Dei-me a César e à morte em oferenda.
Roma de horror, fui eu a mais devassa.
Tive Bizâncio, Justiniano, ao tê-lo.
Mil e uma noites li-me sem ter fim.
Nenhuma teve a China além de mim.
Perdi Tristão nos ecos do castelo.
Montei na noite nua por inteiro.
Nasci gérmen do Papa e da peçonha.
Reinei por Luís em meus lençóis e fronhas.
A Rússia foi meu leito e meu império.
Os segredos da Guerra ouvi no leito.
De tudo ao rei, que nem quis mais coroa.
Posei pra ti, mein Führer, rindo à toa.
Carrega-me, Argentina, no teu peito!
Não traí Sartre: a fêmea também voa.
Hollywood deu-me aos fãs e aos barbitúricos.
…Todas eu sou. Dos homens, tenho a loa
do sêmen vivo de seus olhos túrgidos.

Luís Antonio Cajazeira Ramos

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Poemas escritos por mulheres

 

Poema de  Gaspara Stampa

 poeta italiana — 1523-1554

 

Um deixar-se matar sem sentir dor

E oferecer consolo a quem ofende;

Ver-se na própria chama, que se acende

No olhar alheio, e não fugir do ardor;

Ganhar a liberdade e não se opor

A que outra vez se estreite o nó que prende;

Saber que de outrem todo o bem depende

E nele só buscar alívio à dor;

Achar no aspecto seu graça e magia

Na fala ou no silêncio uma atração

E no seu porte e gesto, fidalguia;

Existe, assim, bem mais de uma razão

Para que eu volte ao pranto em que vivia;

E ao mesmo tempo rogo a Deus que não.

 

Assim me faz Amor arder inteira

Como uma nova salamandra, e igual

A não menos estranha ave ancestral

Que morre e que ressurge na fogueira.

O meu prazer, delícia e brincadeira

É estar ardendo e não sentir meu mal

Sem me importar se quem me induz a tal

De mim queira ter pena ou não no queira.

Mal o primeiro ardor foi se apagando

Amor outro acendeu, mais vivo e quente,

Que cada vez mais sinto me abrasando.

Mas não serei por isso penitente

Se quem meu coração andou roubando

Do novo ardor se vir pago e contente.

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Poema de  Louise Labé

 poeta francesa — 1524-1566

 

Belos olhos que fingem não me ver

Mornos suspiros, lágrimas jorradas

Tantas noites em vão desperdiçadas

Tantos dias que em vão vi renascer;

Queixas febris, vontades obstinadas

Tempo perdido, penas sem dizer,

Mil mortes me aguardando em mil ciladas

Que o destino me armou por me perder.

Risos, fronte, cabelos, mãos e dedos

Viola, alaúde, voz que diz segredos

À fêmea em cujo peito a chama nasce!

E quanto mais me queima, mais lamento

Que desse fogo que arde tão violento

Nem uma só fagulha te alcançasse.

 

Vivo e morro, e me afogo em chama ardente;

Sinto calor extremo e extremo frio

Meu caminho ora é claro, ora é sombrio,

E em meio a grande pena estou contente.

Choro e me rio simultaneamente

E na alegria meu tormento expio;

Duradouro é meu bem, mesmo arredio,

Sou planta seca e ramo florescente.

Assim me leva Amor, sempre inconstante,

Pois quanto mais me doem minhas dores

Sem que perceba encontro alívio adiante.

Se do prazer, porém, gozo os favores

E se aproxima o desejado instante,

Amor me atira às penas anteriores.

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Poema de  Elizabeth Barrett Browning

 poeta inglesa — 1806-1861

 

Ama-me pelo amor do amor somente.

Não digas nunca: “Amo o sorriso dela,

Seu rosto, ou o jeito de dizer aquela

Palavra murmurada de repente

Que faz meu pensamento confidente

Do seu, e torna a tarde ainda mais bela”.

Tudo pode mudar, meu bem; cautela,

Pois pode ser que o amor de nós se ausente.

Tampouco sirva o amor que assim me dás

Para enxugar-me o pranto por piedade:

Quem prova teu consolo é bem capaz

De, sem chorar, perder-te por vaidade.

Mas se amas por amor, conseguirás

Amar sem fim, por toda a eternidade.

 

Mesmo que partas, ficarei presente

Em tua sombra sempre. Nos umbrais

De minha vida a sós, sei que jamais

Comandarei as emoções e a mente

Sem que o toque sereno, antes ausente,

De tua mão na minha dê sinais

De que estás junto a mim. Sei que por mais

Larga a distância, o coração fremente

Pulsa em dobro. Teu vulto transparece

No que faço e o que sou, e é certo, pois,

Que o vinho sabe às uvas de sua messe.

E quando rogo a Deus por mim, depois,

Ele escuta o teu nome em minha prece

E em meu olhar vê lágrimas de dois.

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Poema de Adélia Prado –

Poeta brasileira — nascida em 1935

 

Casamento

Há mulheres que dizem:

Meu marido, se quiser pescar, pesque,

mas que limpe os peixes.

Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,

ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.

É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,

de vez em quando os cotovelos se esbarram,

ele fala coisas como “este foi difícil”

“prateou no ar dando rabanadas”

e faz o gesto com a mão.

O silêncio de quando nos vimos a primeira vez

atravessa a cozinha como um rio profundo.

Por fim, os peixes na travessa,

vamos dormir.

Coisas prateadas espocam:

somos noivo e noiva.

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Poema de Cora Coralina

Poeta brasileira — 1889-1985

 

Meu destino

Nas palmas de tuas mãos

leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,

interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –

íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos

Passavas com o fardo da vida…

Corri ao teu encontro.

Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado

com a pedra branca

da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos

juntos pela vida…

 

Poemas de Cecília Meirelles  

poeta brasileira — 1901-1964

 

De longe te hei de amar

— da tranquila distância

em que o amor é saudade

e o desejo, constância.

 

Do divino lugar

onde o bem da existência

é ser eternidade

e parecer ausência.

 

Quem precisa explicar

o momento e a fragrância

da Rosa, que persuade

sem nenhuma arrogância?

 

E, no fundo do mar,

a Estrela, sem violência,

cumpre a sua verdade,

alheia à transparência.

 

 

Canção

 

Não te fies do tempo nem da eternidade,

que as nuvens me puxam pelos vestidos

que os ventos me arrastam contra o meu desejo!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,

que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,

nácar de silêncio que o mar comprime,

o lábio, limite do instante absoluto!

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,

que amanhã eu morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço

a anêmona aberta na tua face

e em redor dos muros o vento inimigo…

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,

que amanhã eu morro e não te digo…

 

MOTIVO

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmã das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

 

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