Para homenagear as mulheres no seu dia,
alguns POEMAS escritos
para elas e por elas:
É TÃO GENTIL E TÃO HONESTO O AR
É tão gentil e tão honesto o ar
de minha Dama, quando alguém saúda,
que toda boca vai ficando muda
e os olhos não se afoitam de a fitar.
Ela assim vai sentindo-se louvar
na piedosa humildade em que se escuda,
qual fosse um anjo que dos céus se muda
para uma prova dos milagres dar.
Tão afável se mostra a quem a mira
que o olhar infunde ao coração dulçores
que só não sente quem jamais olhou-a.
E quando fala, dos seus lábios voa
Uma aura suave, trescalando amores,
que dentro d’alma vai dizer: “Suspira!”
Dante Alighieri (Tradução de Ivo Barroso)
AS MULHERES
Dei a maçã aos lábios nus de Adão.
Na força de Sansão fui seu desarme.
Salomão dava o céu para alcançar-me.
Não cobrei por Jesus beijar-me as mãos.
Conquistei Grécia e Tróia, heróis da Raça.
Lesbos de amor, cantei a eterna senda.
Dei-me a César e à morte em oferenda.
Roma de horror, fui eu a mais devassa.
Tive Bizâncio, Justiniano, ao tê-lo.
Mil e uma noites li-me sem ter fim.
Nenhuma teve a China além de mim.
Perdi Tristão nos ecos do castelo.
Montei na noite nua por inteiro.
Nasci gérmen do Papa e da peçonha.
Reinei por Luís em meus lençóis e fronhas.
A Rússia foi meu leito e meu império.
Os segredos da Guerra ouvi no leito.
De tudo ao rei, que nem quis mais coroa.
Posei pra ti, mein Führer, rindo à toa.
Carrega-me, Argentina, no teu peito!
Não traí Sartre: a fêmea também voa.
Hollywood deu-me aos fãs e aos barbitúricos.
…Todas eu sou. Dos homens, tenho a loa
do sêmen vivo de seus olhos túrgidos.
Luís Antonio Cajazeira Ramos
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Poemas escritos por mulheres
Poema de Gaspara
Stampa
poeta italiana — 1523-1554
Um deixar-se matar sem sentir dor
E oferecer consolo a quem ofende;
Ver-se na própria chama, que se acende
No olhar alheio, e não fugir do ardor;
Ganhar a liberdade e não se opor
A que outra vez se estreite o nó que prende;
Saber que de outrem todo o bem depende
E nele só buscar alívio à dor;
Achar no aspecto seu graça e magia
Na fala ou no silêncio uma atração
E no seu porte e gesto, fidalguia;
Existe, assim, bem mais de uma razão
Para que eu volte ao pranto em que vivia;
E ao mesmo tempo rogo a Deus que não.
Assim me faz Amor arder inteira
Como uma nova salamandra, e igual
A não menos estranha ave ancestral
Que morre e que ressurge na fogueira.
O meu prazer, delícia e brincadeira
É estar ardendo e não sentir meu mal
Sem me importar se quem me induz a tal
De mim queira ter pena ou não no queira.
Mal o primeiro ardor foi se apagando
Amor outro acendeu, mais vivo e quente,
Que cada vez mais sinto me abrasando.
Mas não serei por isso penitente
Se quem meu coração andou roubando
Do novo ardor se vir pago e contente.
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Poema de Louise Labé
poeta francesa — 1524-1566
Belos olhos que fingem não me ver
Mornos suspiros, lágrimas jorradas
Tantas noites em vão desperdiçadas
Tantos dias que em vão vi renascer;
Queixas febris, vontades obstinadas
Tempo perdido, penas sem dizer,
Mil mortes me aguardando em mil ciladas
Que o destino me armou por me perder.
Risos, fronte, cabelos, mãos e dedos
Viola, alaúde, voz que diz segredos
À fêmea em cujo peito a chama nasce!
E quanto mais me queima, mais lamento
Que desse fogo que arde tão violento
Nem uma só fagulha te alcançasse.
Vivo e morro, e me afogo em chama ardente;
Sinto calor extremo e extremo frio
Meu caminho ora é claro, ora é sombrio,
E em meio a grande pena estou contente.
Choro e me rio simultaneamente
E na alegria meu tormento expio;
Duradouro é meu bem, mesmo arredio,
Sou planta seca e ramo florescente.
Assim me leva Amor, sempre inconstante,
Pois quanto mais me doem minhas dores
Sem que perceba encontro alívio adiante.
Se do prazer, porém, gozo os favores
E se aproxima o desejado instante,
Amor me atira às penas anteriores.
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Poema de Elizabeth
Barrett Browning
poeta inglesa — 1806-1861
Ama-me pelo amor do amor somente.
Não digas nunca: “Amo o sorriso dela,
Seu rosto, ou o jeito de dizer aquela
Palavra murmurada de repente
Que faz meu pensamento confidente
Do seu, e torna a tarde ainda mais bela”.
Tudo pode mudar, meu bem; cautela,
Pois pode ser que o amor de nós se ausente.
Tampouco sirva o amor que assim me dás
Para enxugar-me o pranto por piedade:
Quem prova teu consolo é bem capaz
De, sem chorar, perder-te por vaidade.
Mas se amas por amor, conseguirás
Amar sem fim, por toda a eternidade.
Mesmo que partas, ficarei presente
Em tua sombra sempre. Nos umbrais
De minha vida a sós, sei que jamais
Comandarei as emoções e a mente
Sem que o toque sereno, antes ausente,
De tua mão na minha dê sinais
De que estás junto a mim. Sei que por mais
Larga a distância, o coração fremente
Pulsa em dobro. Teu vulto transparece
No que faço e o que sou, e é certo, pois,
Que o vinho sabe às uvas de sua messe.
E quando rogo a Deus por mim, depois,
Ele escuta o teu nome em minha prece
E em meu olhar vê lágrimas de dois.
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Poema
de Adélia Prado –
Poeta
brasileira — nascida em 1935
Casamento
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como “este foi difícil”
“prateou no ar dando rabanadas”
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
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Poema
de Cora Coralina
Poeta brasileira — 1889-1985
Meu
destino
Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida…
Poemas
de Cecília Meirelles
poeta
brasileira — 1901-1964
De longe te hei de amar
— da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.
Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.
Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?
E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
Canção
Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo…
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo…
MOTIVO
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmã das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
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